Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-09-26

HORA DI BAI

Um dia já distante, por acaso 24 de Setembro, parti cedo, naquela tarde, e tu ficaste. Hora di bai e os dois ficamos com a mágoa da saudade. Até hoje foi o último adeus que me fez chorar de verdade e senti que as tuas lágrimas enchiam os teus rios de esperança. Gritavas que Cabral cá mori porque a tua alma esmagava a dor dos oprimidos. E eu via um sorriso em cada criança a florir em todas as madrugadas. Sobreviventes da dor na si curpu, alimento do ritmo, da música e da dança, tantã da verdade, a ternura do amor perfurou o meu peito e navegou nas ondas verde brancas do teu mar. De mãos dadas, meigas e cheias de melodias suaves percorremos as ruas de Bissau semeando as esperanças antigas gravadas num Setembro eterno de 1973. Em Madina de Boé. Sei que estás a sofrer com novas guerras, novas dores, pesadelos, tristezas, amargores de quem não se encontra. Mas acredito que nas bolanhas crescerão flores eternas perfumadas de doces e puros aromas colorindo os amanheceres diferentes onde brilhará a glória. E das tabancas virá, novamente, o barulho do batuque tocado pelas mãos das crianças que choram e riem em ritmos apaixonantes. E eu, meu amor, dar-te-ei o beijo mais ardente com sabor a caju, num nascer de vida abraçando a terra, o mar e o céu. E fugiremos para Bubaque onde nos amaremos quebrando os silêncios, ouvindo a melodia suave da tua voz. Um dia voltaremos.

2005-09-22

MALANDRAGEM

Quando era mais novo, lá para os lados do Prenda, acontecia-me adormecer a meio da noite, nem que fosse na banheira da casa de banho, e acordar todo partido. Mas isso aconteceu aos 18, se calhar até aos 20 anitos. Agora com esta idade não sei se consigo adormecer desta forma. Nem, talvez, no tapete. Tem que ser num bom colchão, quarto sóbrio, prefiro ventoinha ao ar condicionado, lençóis brancos, detesto os de seda vermelha, uma coisa sem muitas demoras, sem música de fundo e muito menos ruído, e boa noite que se faz tarde.
Claro que falo mesmo do sono. Porque se estivermos a falar de coisas que acontecem de noite, e como é boa a noite, tipo dentadinhas no pescoço, vampiragens, jantaragens, gosto de coisas mais agitadas. Águas revoltas, quem diz águas diz birras ou bejecas (beijocas também!), mesmo que seja outro tipo de líquido amarelo, de outra qualidade. Escocês ou, noitivagomente correcto, scotch. Porque a malandrice que estavam a congeminar, é boa a qualquer hora. Mesmo cansado. E cansado com cansaço dá desembaraço. E tanto desembaraço leva-nos a navegar em boas embarcações. Mesmo com mar alto e ventos fortes.

2005-09-20

O TIGRE TARADO E O PEQUENO RAJAH

O TIGRE TARADO E O PEQUENO RAJAH


O Sol escondia-se por trás da mata do outro lado do rio. Ao despedir-se, iluminava o céu de cores vermelhas, enquanto as nuvens recebiam com um sorriso a escuridão da noite. As árvores de bambú pareciam mais altas e finas e os pássaros calavam os seus cantos.
Rajah contemplava o rio, onde se misturavam as cores azuis do céu, os vermelhos do fim do dia e os verdes das árvores. Uma canoa estava na margem do rio. Tudo parado. Até os pensamentos do pequeno Rajah que hesitava. A noite avançava rapidamente. Estava ali tão bem, sentado na areia, os pés dentro da água! Porquê ter de abandonar aquele local? Mas era preciso voltar à aldeia. Escureceu completamente.
A aldeia estava em festa. E qual é a criança que não gosta de festas? As pessoas continuavam a chegar. As notícias corriam de uns para os outros . Rajah juntava-se aos mais velhos, ouvia as notícias e ía depois para debaixo da grande árvore sonhar com as histórias dos adultos. Em breve ficava em silêncio e sonhava, cada vez sonhava mais. Mas nessa noite o pequeno Rajah chorava.
- Porque estás a chorar, Rajah? Perguntou o pai que se aproximou sem ele se aperceber.
- O meu amigo Tarado não veio brincar comigo esta tarde, respondeu.
Tarado era um pequeno tigre. Acordava com o Sol e ainda com o pijama de riscas amarelas e castanhas ia beber água ao rio. Depois brincava até se cansar. Ora corria atrás de outros pequenos animais, ora rebolava na erva macia. De vez em quando dava uma espreitadela para lá dos bambús onde uns animais esquisitos, só tinham duas patas e andavam em pé, trabalhavam na terra fofinha. O pai do Tarado já o tinha avisado para não se aproximar muito daquela terra pois aqueles animais não eram amigos.
Um dia Tarado, descontraido, rebolava pela relva macia quando apanhou um grande susto. Quase junto a si, de pé, estava o pequeno Rajah que já, há algum tempo, se tinha mostrado mas nunca se anunciou. O menino não falou. Percebeu que as palavras nada valiam. O tigrezinho sentou-se e fixou, com o olhar, aquele pequeno ser, bizarro.
Sem uma palavra começaram a brincar, primeiro desconfiados, mais tarde cheios de confiança até se tornarem amigos inseparáveis. A bola corria em todo o matagal, as correrias eram mais que muitas, os saltos para o rio eram uma constante e as horas corriam à velocidade da brisa do vento que soprava cantando canções de embalar e sem saberem que quando voltassem às suas casas as brincadeiras continuavam pela noite dentro no mundo dos sonhos. E das brincadeiras entre Rajah e Tarado os pássaros levaram notícias a todo o mundo.
O tempo passou. Solidários como nunca as duas criaturas foram viajando no comboio do tempo. Mas naquela tarde Tarado não apareceu. Do céu caía uma chuva intensa. O barulho da trovoada era de assustar. Rajah, sentado na canoa à beira do rio esperou até se cansar, depois compreendeu que era noite e chorou. Chorou tanto que dos seus olhos a água era tanta como a chuva que lhe molhou o corpo. Voltou para a aldeia. Havia festa. Festa pela morte do tigre Tarado que, como contavam os mais velhos, tinha um poder misterioso. Rajah, naquela noite, não participou na festa da aldeia.

2005-09-18

A ÁRVORE DA MINHA INFÂNCIA

Sinto que caminho pelas ruas da cidade, às apalpadelas, tropeçando nos pensamentos, nas recordações do meu desejo. Não há estrelas na sombra do dia, por isso caminho pela rua da saudade escutando os sorrisos escondidos daqueles que me ensinaram a esperar. Vejo-me, nas minhas brincadeiras, debaixo da mangueira do meu quintal, cheia de verdes e de esperanças, buscando a sombra que me afasta da quentura dos dias. Como era bom ouvir os sussurros entoados pelos filhos da árvore e que me protegiam dos batuques da morte. Esperava sempre pelo final da tarde, para me sentar no pó, debaixo da minha mangueira, esperando olhar a lua cheia, sentir o coração bater as ansiedades da noite, e recordar como era frio o camaleão que me visitou nesse dia, enquanto lia um livro de Kansas Kid. Nunca soube se foi um sinal para acordar e pensar que a vida brinca em espaços que são nossos e de muita gente. Nessa tarde olhei para lá da sebe do meu quintal e vi o velho negro, curvado pelos anos e pelo sofrimento, perdido no tempo, escondido nos silêncios, esfarrapado na roupa e na alma, sem gestos nem olhar, sempre vencido, forçado toda a vida a obedecer, humilhado e vendido. No céu as nuvens vermelhas, reflexo do fogo que me queimou o peito, ameaçaram que ía começar um novo dia. Precisava deste sinal. Abençoada mangueira, verde de vida, árvore da minha infância.

2005-09-15

ARGOLAS E ARGOLADAS

Sonhava o Guto com as loiras que ele topou, em período merecido de férias, na praia dos Tomates, e que se torravam na areia amarelinha, ora de frente, ora pela retaguarda, mas nunca olhando o zulmarinho. Guto ía emborcando umas bejecas, final da tarde, pós laboral como dizem os técnicos de formação comunitária, no bar do sô Jaquim. Algumas delas, recordava em DVD, apresentavam uma barriguita desconfortável que Guto nunca soube se seriam gases, celulite ou talvez das jeans apertadíssimas, ou dos biquinis, e que dava para ver os refegos das "piquenas", intra e extra coxas. Modernices, avisavam os amigos. Mas o que ele adorava era ver os metais espetados na pele das fêmeas. De pequeno, só tinha visto as argolas nas orelhas das namoradas e das mulheres da aldeia. Algumas pareciam o arco com que ele brincava na sua rua, mas estavam sempre "espetadas" nas orelhas das infantas. No nariz só na vaca da tia, não que a tia fosse isso, mas porque era criadora de gado e tinha algumas vacas que eram cobertas, de vez em quando, pelo touro do tio Fanfas. E para não darem muito ao rabo, enquanto se cumpria a cobrição, tinham uma argola no nariz para as manterem amarradas e seguras. Anos mais tarde, o Estrôncio do Gutinho, ouviu falar em sexo seguro e com amarras. Baralhou tudo quando levou a Cecília para uma noite de sexo, e a amarrou à cama e para segurança começou a ler-lhe o Kamasutra Gay. A partir desta data nunca mais teve ninguém do género feminino que se aproximasse dele. Daí a sua teoria que as mulheres são como as aves migratórias. Nunca param no mesmo ninho, mas voltam sempre ao mesmo local. Bloquista, era o que ele era.
Pensava ele, então como era possível ter argolas no umbigo, na língua, nas sobrancelhas, nos queixos e até, já ouvira dizer, nunca vira, nos lábios. Nos pequenos e nos grandes. E dava voltas ao miolo como era possível estar na cama com uma miuda destas, algumas bem bonitas por sinal, e não sair com uma argola no material do prazer. Sim, como era possível sair-se ileso duma relação com as argolas! Por vezes tinha pesadelos quando matutava muito nisto. Pensava no que vira na feira da Senhora da Transladação dos Ossos de S. Francisco Xavier onde havia uma barraquita, a Barraca das Argoladas. Um homem tinha que meter a argola no gargalo do pau da garrafa. Nunca conseguiu ganhar uma garrafita. Agora como sería ele a enfiar a argola no seu pauzito. Acordava sempre cheio de suores e sentado na cama agarrado aos boxers à procura da argola e do gargalo e a tremer que nem o Piloto à chuva. O Piloto era o rafeiro que passava as noites a uivar debaixo da janela do seu quarto. Mas também não desgostava destes pesadelos pois, para acalmar os nervos, colocava um filme no gravador e assim se esquecia do terror das noites redondas com argolas. Nunca soube a resposta para o que via nos filmes. A estas noites chamava Curso Nocturno da Arte de Bem Cavalgar Sem Sela. Ficou sempre cheio de dúvidas, e nunca meteu explicadora, porque haveria mulheres a gostarem de ter sexo contra a porta do frigorífico, na mesa da cozinha, na padaria, em cima do estirador, na furgoneta avariada, no baloiço do quintal... Sexo na pradaria já ouvira e vira. E mais admirado se sentia porque as ditas mulheres ficavam húmidas em dois segundos e atingiam o orgasmo com as calças vestidas, mesmo nas casas de banho públicas. Porcas e badalhocas era o que elas eram, murmurava a caminho da cama. Pensamentos de extrema direita, afiançou-lhe o amigo que o aturava nas conversas do café .

2005-09-14

CAMPEÃ E DEPUTADA

Não me apetece escrever nada. Talvez o sono me tenha vencido pela primeira vez. Sintoma dos anos. Mas lendo o Courrier Internacional nº 23, não podia deixar de partilhar convosco um pequeno apontamento. Uma história de coragem, de humildade e solidária. como existem muitas embora desconhecidas do grande público. Mesmo na minha Angola. Então aí vai.

TERESA PERALES, paraplégica desde 1995 por motivos de negligência médica, desloca-se em cadeira de rodas. Mas não perdeu o optimismo. Pelo contrário, aos 29 anos, não desiste das suas metas. Campeã paralímpica de natação, foi ela quem arrecadou o maior número de medalhas para a Espanha nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2003. Após quatro horas de treino diário, troca o fato de banho pelo fato formal, pega no carro e dirige-se ao Parlamento Regional de Aragão, onde é deputada desde 2003. "Foi preciso muita coragem para me dedicar à política. Se não tivesse optado por este caminho, tería sido egoista da minha parte em relação a outras pessoas como eu, porque tinha a oportunidade de ser a voz delas". Hoje em dia, luta pela "normalização" dos deficientes. Detesta a palavra "integração" e o paternalismo. "Sou deficiente mas também sou mulher, jovem e trabalhadora. Nunca quis cingir-me a um único campo". A deputada desportista representa a coabitação entre dois mundos, cuja diferença ainda é significativa: "No desporto, representamos um país, mas a vitória é sempre pessoal. A política é uma coisa diferente: tornamo-nos a voz de toda a sociedade e já não é por nós que lutamos", afirmou ao diário El País .

2005-09-13

LUGAR DE AMOR E POESIA

Em qualquer lugar do mundo há momentos de fazer amigos, estimular o conhecimento, usar a imaginação, ouvir, de mansinho, a música da vida saída da cascata das ribeiras e das folhas das árvores. Até na Serra da Estrela. Em Seia, no Museu do Pão, canta-se e fala-se de carinho, alegria, fantasia, prazer, paixão, doçura, amor, energia, poesia. Inteligência. Mesmo longe do zulmarinho, que amo, sinto o prazer de estar na casinha pequenina, lugar que ilumina o sonho, a felicidade e a liberdade, quando a gente quer amar e sentir-se amado. Espaço de rara beleza, sentimos que não é tarde, entre o almoço e o jantar, de nos darmos. Procuro no teu olhar as palavras da fantasia.
Gosto de ficar na dúvida entre o querer e o não querer, entre a poesia e o pão, entre o alvoroço das cumplicidades. Procuro a tua boca e encho-te de beijos. Bebo um gol da loira mais fresca do momento ou...
Vou saborear a quentura de um tinto que me recorda o namoro e que me faz explodir, em tempestades de mar salgado, o tempo da vida. Neste local onde é proibido esconder os sentimentos, o amor vence a poesia, mesmo lendo o que João Borges nos deixou em poema e que nos recorda que "é o pão posto à conversa no silêncio das pedras, sózinho no cais da borda de água... Anónimo entre os anónimos na paisagem". Assim, simples recordo os tempos sem pão e lembro a canção do Cartola que ouvi no café da manhã e que me advertiu que "as rosas não falam, apenas exalam!".
A água do ribeiro sumiu-se no chão, vejo as mulheres manearem as ancas, as pedras choram com as palavras e, eu, relembro os silêncios que se ouvem quando, nos moinhos de vento, o moleiro coloca as rolhas nas cabaças para elas não assobiarem as tristezas do luto e as velas são colocadas em cruz, anunciando a morte de quem amassa o pão e nos mata a fome. Mulher e mãe, xailes negros, choram e rezam a Nossa Senhora da Conceição.
Nossa Senhora da Conceição, te faça bom pão. São Mamede te levede. S. Vicente te acrescente, para mim e para toda a gente.

2005-09-12

QUERER

Preciso de uns copos para ver se não me dá uma coisa dita má mas com medo de ser uma má coisa. Claro que há momentos em que não vale a pena ser esforçado porque a veia não sangra, o coração não bate, o peito não dói, o sentir não existe, a cabeça não pensa e tudo fica menos claro e menos real. Como é possível estar sentado na esplanada, sentir o vento soprar, o zulmarinho cantar canções de amigos, e saber que na mesma aldeia existem lugares onde o ruído é ensurdecedor, o ódio esfaqueia o livre pensamento, o amor não existe? Assim, mermão, só me apetece estar sózinho, frequentar os locais que quero, sentar-me à mesa com os companheiros de estrada, viver a vida que não cansa. E saber que há gente gira com vontade de rir, cantar, escrever, chorar, musicar, dançar, poemar, estar perto de nós. Às vezes mesmo longe. E que quer, mas não pode, contar as histórias da banda, as tristezas e alegrias do momento, cantar os poemas do nosso contentamento. De sermos livres. Corto as grilhetas que me amarram à fúria da tristeza e da mediocridade.
Como é lindo o brilho do olhar dos meninos do meu Planalto. Gosto do perfume dos seus sorrisos afagados pelas mãos ternas das suas mães. Mulheres de coragem que venceram o ódio, o medo, a morte. Lindas, com as suas tranças percorrendo as estradas do futuro à procura da felicidade. O meu tambor bate forte ecoando nos silêncios da minha ternura procurando o futuro e a felicidade nas estradas do lá longe. Bebe muitas comigo, mermão, hoje e sempre e fala-me do que sentes e vives. Porque eu preciso de ouvir e sentir o zulmarinho ecoando nos rios que me inundam o corpo.

2005-09-08

ENAMORADO,EU?

Levanto-me pela manhã, enublada e humedecida pelo cacimbo que cai lá fora. Esquecido no tempo, o meu amor de África talvez caminhe pelos capinzais das longas picadas, exausta, pálida, cansada pelo paixão aprisionada nas muralhas de um tempo sem notícias. Lembro-me dos meus barcos de papel comandados por homens valentes e que, no lago da cidade, navegavam com os cascos cheios de letras e poemas e que te faziam rir. Sem ilusão, fazia do mesmo papel os aviões que ultrapassavam os vendavais dos teus cabelos soltos e aterravam nas tuas mãos perfumadas pelas flores das bungavílias. Tenho saudades do teu sorriso cantado, do teu rosto macio, da tua boca sabendo a amoras silvestres, da geografia do teu corpo, do negro dos teus olhos, do teu encanto rasgado em sonhos de luar. Como eu gostava de ficar debaixo da mangueira e sentir a brisa do vento, o silêncio do tempo, o calor da terra, desenhando, no pó do chão, o mar da imaginação.
Sempre que me levanto, nestas madrugadas cinzentas e húmidas, vejo-te passar lá longe, longe de mim, muito distante, o teu corpo como uma estátua de pau preto esculpido pelos anjos, sempre sedutora, cativa, graciosa, linda, cheia de esperança e cintilando como uma deusa. És mulher bela como a luz, doce e pura, chorando eterno amor, prometendo um sol que nos enche os olhos e que nos faz caminhar no tempo à procura da felicidade. Amo-te África e espero pelo teu mar para me prolongar para o sul e sentir o cantar e o ser de uma alegria.

2005-09-06

SENHOR DOMINGOS

Tá difícil de pôr em marcha o comboio da felicidade e da esperança, de saber que as ondas das palavras me inundam a razão, de querer navegar pelas ruas da minha tabanka. Mamã Muxima, me ajuda por favor. Vou-te contar. Fiquei com bloqueio na memória e travão no pensamento. Será mal do coração? Será saudade? Talvez morabeza de saber que sempre estamos à espera de uma boa viagem pelo mundo dos sonhos. Nem que sejam as viagens da nossa utopia. Mas, lá longe, começo a ouvir os tam tam di nha África, vejo o meu povo dançar com alegria, os meninos correrem nas ruas da minha cidade, os siripipis cantarem canções de amor, os mais velhos contarem as histórias dos tempos esquecidos.
Senhor Domingos tem o olhar parado naquele mar azul que o leva, devagarinho, para sul. O fumo do seu cachimbo de marinheiro transforma-o no velho do mar, não o do escritor, mas o lobo que venceu marés e tempestades e que viu o seu filho cassula entrar nas águas azuis do mar do Caribe abraçado à linda sereia cor de ébano, que sempre amou. Nunca mais teve notícias dele mesmo vivendo os seus muitos anos, sentado no porto, esperando notícias trazidas pela brisa das lágrimas inundadas pelo sal do zulmarinho. Aiué Muxima. Gostava de estar dentro do coração do Senhor Domingos para saber se a minha utopia teve um final feliz como nos filmes da minha infância.