Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2006-07-27

O ROUBO

Subia a avenida pensando como eram lindas as manhãs na minha cidade. Prisioneiro dos meus sonhos entrei, ali bem juntinho à sede do Benfica de Luanda, pelo jardim que me anunciava que novos dias íam chegar carregados de esperança. Não a sagrada esperança que essa era mais difícil de obter. Mas a esperança de quem acreditava, e ainda acredita, que é possível construir a nossa tabanka na igualdade e nos desejos de um homem novo. Nunca saberei se ía a caminho do Kinaxixe ou se ía mesmo a caminho do nada.
De repente, encontros que não queremos. Deixa cá ver o cumbú que trazes senão temos maka, tu tens mais que eu de certeza, és um branco de merda, colonialista, foram algumas das "conversas" havidas entre este viajante dos sonhos e o rapaz desesperado e já sem desejo de ver o futuro sagrado e de esperança.
Aberta a carteira, sobravam quinhentos escudos para o resto de todo o mês. Começaram as negociações bilaterais, entre dois angolanos, não necessitando de ajudas da comunidade internacional. Que o dinheiro era para o final do mês, mesmo comendo na cantina universitária ninguém dava nada porque o nada era do povo, a fome também ía chegar ao branco colonialista, e mais não sei quê! No final, aperto de mão toma lá duzentos e cinquenta para ti e duzentos e cinquenta para mim. E não te esqueças que estamos juntos e a vitória é certa.
Luanda tinha destas coisas nos tempos idos de setenta e cinco. Talvez mais um dia de sorte para quem sonhava com novos horizontes e uma tabanka de Cabinda ao Cunene.

2006-07-25

GLAMOUR

Entro no Piano Bar e sou levado a ficar sentado na mesa do fundo. O Bar está repleto, mas gosto de ficar bem atrás porque assim vejo e reconheço a alma do local onde estou. Oiço o teclado do piano percorrer uma sonata de Schubert. No ar um cheiro a café de Angola. O pianista vestido de branco e que lhe faz sobressair a cor da sua pele, negro de ébano, usa uns óculos escuros. Será Ray Charles? Não creio. Percorro a sala com um único olhar e encontro os amigos satisfeitos com a presença de outros amigos. Ela num vestido vermelho distribui sorrisos. Provocante. O pianista tecla forte e passeia-se por Viena percorrendo os caminhos de Schubert. Peço uma vodka bem forte. Hoje é sem laranja. Só assim aguento o vermelho do vestido e o preto do piano. A bandeira da minha eterna namorada tem as cores do meu sonho. Oiço, de mansinho Winterreise, sonata para piano, tocada com amor. Com glamour diz-me a mulher do vestido vermelho mostrando umas pernas provocando calores tropicais, de coração aberto. Hoje estou feliz.

2006-07-19

MARES E OCEANOS

Confesso que gostava de ter forças para surfar no mar, neste mar que me solta o pensamento para paragens que conheço e desconheço e que sei que é azul como o céu que esconde as minhas estrelas. As estrelas de uma saudade amante e que me faz entrar nesse teu mar rasgando as ondas como se fossem as estradas que me levam ao princípio do meu destino. Fecho os olhos e sinto o cintilar de uma luz que brilha, lá ao longe, entre os azulados da água e do ar e pressinto, no final da tarde, o calor vermelho que me aquece o corpo. Este corpo que necessita dos beijos húmidos dos teus lábios e do afago das tuas mãos. Essas mãos que remam o barco deste amor amado, vivido, sentido e que recordam as emoções e sensações de sermos os marinheiros da vida. O meu barco do desejo sobe e desce nas ondas do teu sentir e diz-me que a viagem pode ser longa. Como eu gostava que essa viagem fosse já hoje e o meu barco aportasse o porto do teu querer. Assim não me faltem as forças para mais umas remadas. As mesmas forças para me colocar em cima da prancha de surf e sentir o sal das tuas lágrimas de felicidade no meu rosto e dizer-te, que de tanto te amar, não me importo de navegar por mares e oceanos mesmo que repletos de tempestades. Sei que sou o navegante que procura o desejo de amar e ser amado.

2006-07-04

ÓCULOS

Foto: Miguel Fernandes

O que escrevo eu, aqui e agora? Coloco "uma lágrima no canto do olho" da saudade e o que me resta? Dizer que fico sentado no passeio, ali prás bandas da avenida Lisboa, entre o Catambor e o Prenda, a olhar o céu e ver como as estrelas voam rápidas enquanto em Kinfangondo a cor das estrelas tinham o brilho da cor do vermelho do sangue? Ou lembrar que o CDUA, com o Rui Pereira, O Romero, o Múrias e outros que não recordo o nome, bailavam no pavilhão, encestavam bolas atrás de bolas e até ganhavam ao meu Benfica de Lisboa? Ali fiquei muitas noites, a sonhar, até que um dia, talvez pelas cucas e um amor novo conquistado na faculdade e amarrado ao coração de uma mulata, lá prós lados da Ilha, jantar no Kussunguila e promessas de futuro novo, vi passar, de repente, nos céus estrelados do aeroporto, que mais tarde se chamaria de 4 de Fevereriro, um OVNI. Sim daqueles objectos não identificados e que na manhã seguinte, ou já seria já tarde, o mujimbo do povo chamaria de espião carcamando. Sei que mais tarde o povo do Catambor resolveu acabar com as minhas visões e nacionalizar-me o objecto de ajuda ao sentido do olhar. Não fosse eu anunciar qualquer virgem senhora de xaile negro em cima da mulemba da minha cidade. Os meus óculos voaram num repente. Penso que um dia os vi a passear na Marginal mas já com lentes escuras. Por causa do sol que tem mais brilho na nossa baía. Luanda estava linda
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