Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-09-18

A ÁRVORE DA MINHA INFÂNCIA

Sinto que caminho pelas ruas da cidade, às apalpadelas, tropeçando nos pensamentos, nas recordações do meu desejo. Não há estrelas na sombra do dia, por isso caminho pela rua da saudade escutando os sorrisos escondidos daqueles que me ensinaram a esperar. Vejo-me, nas minhas brincadeiras, debaixo da mangueira do meu quintal, cheia de verdes e de esperanças, buscando a sombra que me afasta da quentura dos dias. Como era bom ouvir os sussurros entoados pelos filhos da árvore e que me protegiam dos batuques da morte. Esperava sempre pelo final da tarde, para me sentar no pó, debaixo da minha mangueira, esperando olhar a lua cheia, sentir o coração bater as ansiedades da noite, e recordar como era frio o camaleão que me visitou nesse dia, enquanto lia um livro de Kansas Kid. Nunca soube se foi um sinal para acordar e pensar que a vida brinca em espaços que são nossos e de muita gente. Nessa tarde olhei para lá da sebe do meu quintal e vi o velho negro, curvado pelos anos e pelo sofrimento, perdido no tempo, escondido nos silêncios, esfarrapado na roupa e na alma, sem gestos nem olhar, sempre vencido, forçado toda a vida a obedecer, humilhado e vendido. No céu as nuvens vermelhas, reflexo do fogo que me queimou o peito, ameaçaram que ía começar um novo dia. Precisava deste sinal. Abençoada mangueira, verde de vida, árvore da minha infância.