Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-12-27

BUÉ DE CONTENTE

Estou sentado no porto velho de Puntarenas a olhar o infinito. Procuro, com o olhar, naquela imensidão do infinito e do mar, aqueles que vejo fugir todos os dias da minha vida. Detestesto as amarras que prendem os navios ao porto e que amarram o navio do meu destino à solidão das águas que teimam em não correr para o sul. Travo o vento da desilusão com a força do sonho que me abre o peito, soltando o segredo que guardo há um tempo infindável. Como gostava que os homens não entregassem os ideais, os silêncios, os amores, as paixões, as esperanças, as verdades, a terra.
Mesmo sentado na praia a olhar a imensidão do mar, neste Pacífico cheio de lonjuras, sinto o pensamento a rasgar os céus. Nesta terra chamada de Costa Rica, reencontrei a minha infância ao percorrer o refúgio silvestre da reserva Curu. Ainda não sei se ela me quer, se ela me indica o caminho que procuro. Só acredito que estou só à espera do engano de não te poder amar, num rasgo de felicidade, soltando suspiros às madrugadas vividas na minha ilha.
Tento esquecer que este mar não desagua na minha ilha e que estou do outro lado do mundo sem a esperança de te tornar a ver. Há quanto tempo já não esperava que as longas noites, frias e húmidas, talvez choradas, curtas de alegria, mas grávidas de desejos, meigas, ternas e com um sorriso rasgado, me fizessem tão feliz. Eu mereço sonhar.
Sentado neste porto lembro-me que os marinheiros da minha terra ainda cantam poemas de mudanças. E eu, aqui neste longe, sem dar conta, sinto a chuva e o cacimbo da minha ilha. Esta chuva que, de tanto acreditar em ti, me acorda do meu sonho, mesmo demorado, das realidades que vão sendo construídas com o sofrimento dos homens que derrubam os impossíveis. Fico bué de contente!

2005-12-25

AMORES PROIBIDOS

Tamara descia para a Mutamba depois da noite com Rosita na sua casa em Alvalade. Um pouco tristonha, sempre bonita, transpirada e com um ar cansado. Não tinha tomada banho ao levantar-se. Mais um dia sem água. Já estava habituada. Ou sería da temperatura e da humidade que hoje se fazia sentir em Luanda?
Segue com um sorriso o seu caminho. Não tem hora de chegada. Nem sabe se vai trabalhar. Na noite anterior, já calma dsa tristezas de mais um dia sem futuro, tinha continuado com uma ansiedade que a consumia numa relação de amor e ódio. Muitas vezes o sexo despertava nela uma paz que apaziguava o ódio. Mas nessa noite resultou que, na cama com Rosita, a raiva foi potenciada e a noite tinha sido memorável. Ávida de amor, Tamara tinha um duplo sentimento de amor e vingança. Gito há muito que dormia por toda a Luanda, de cama em cama, e as noites de sexo com ela tornaram-se sufocantes. Um dia até foi ao Américo Boavida fazer os testes da doença. Lhe disseram que ele podía ter SIDA. Felizmente os resultados foram negativos.
Com o coração a estilhaçar de raiva e de desejo de amor, Tamara começou a olhar as montras, já vazias, mas lembrando vidas do presente e do antigamente. Começou a tentar sorrir e a desfazer as gotas do seu suor sonhando com um Chanel 5, um Loewe ou um Givenchy que conhecia das festas de uma Luanda dos sonhos. Luanda da corrupção, diziam os que criticavam o seu charme de ser mulher e de estar em todas as festas. Invejas, diziam outros. Tamara até no Futungo já tinha dançado o seu semba.
Quando acordou dos sonhos já estava no Juventin´s. Pediu um café forte, acendeu um Hermínios, e com D.Juventina sonhou beber um Barca Velha, um vinho que, como dizia o tuga Manel, inspira outros desejos com o seu aroma e o seu gosto aveludado.
D. Juventina levantou-se, abanou a cabeça e sussurou baixinho para sô Xico que já bebia o seu terceiro grogue:
- Estas damas enlouqueceram.
D. Juventina, os amores proibidos fazem-nos parecer ridículos. Mas são o paraíso das nossas emoções. Um dia te explico.

2005-12-23

TAMARA NO JUVENTIN'S

Tamara tinha posto meias pretas, de renda. As pernas ficaram, todas, mais bonitas. Advinhavam-se umas coxas a pedir amor. Toda ela estava especialmente bonita. O vestido vermelho, apertado, torneava-lhe as curvas de um corpo estilhaçado pelas paixões de noites que pareciam não ter fim. Sapatos altos, baton vermelho nos lábios, cabelo desfrizado e os olhos retocados para que o olhar não morresse na sombra.
Tamara entou no Juventin's e foi-se sentar na mesa da amiga que já foi namorada do seu ex-namorado. Das noites do Kussunguila. Rosita tinha uns cabelos negros, pele mais clara que Tamara, na rua nunca passava despercebida e todos olhavam. Os seus olhos eram verdes como a água do mar. Rosita era bonita, talvez mais bonita que Tamara. Sentadas pediram vinho. Corvo, nome que assenta bem às duas amigas e que lhes há-de assentar melhor quando a garrafa estiver a mais de meio. Começam a recordar os amores e desamores das noites vividas em Luanda.
Tamara começa a chorar e Rosita sente-se corada. O Corvo já passou por elas e parece querer abandoná-las. A meio da noite levantam-se e saem sem magoar ninguém. A dor de uma parece ter aliviado a dor da outra. As lágrimas de Tamara continuam a cair nas covinhas da face. Rosita não desfaz o seu sorriso. E o Corvo leva-as para mais uma noite de amores.
- Vem dormir comigo, implorou-lhe Tamara.
Na mesa do fundo, do Juventin's, Gito afaga a sua cerveja estupidamente gelada esquecendo as noites em que Tamara lhe implorava para ficar com ele e Rosita chorava porque ele tinha assuntos para tratar até tarde.
D. Juventina me desculpe mas os amores, os verdadeiros, não têm hora de chegar! Nem sexo!Havemos de nos encontrar. Talvez amanhã.

2005-12-19

GUERRA AVISADA


GUERRA AVISADA
(de Osvaldo Sauma, Asabis)
Amor
para que te serve um poeta
ele só tem palavras
solidão e palavras
uma frase amável
e muitas ilusões de papel
para que serve um homem
que desconhece os limites
que edifica uma muralha de sombras
onde guarda os resplendores do seu sonho
o poeta sabe pouco de alegrias
é mais um traficante do infortúnio
uma ave agoirenta em territórios desolados
ele negoceia com os cegos estrelas distantes
vende aos sonâmbulos sonhos de ímpeto nocturno
navegações aos que padecem de insónias
ele leva flores às árvores
ilumina o coração dos peixes
carburante dos vaga-lumes
ele destila nuvens sob o sol absorto
de verdade amor, desiste
nem Platão o quis em sua República
é o primeiro que acossam de ser zorro
o primeiro que aprisionam por ser pássaro
o primeiro que matam por ser lúcido
e o que é pior
cobram sempre dele
sobretaxas nos recibos da luz
ignora-o
ele não poderia dar-te nenhuma segurança
gaba-se da sua pobreza
do verde sol do seu ócio
e como um menino em tudo crê ver o assombro
eu te aviso, amor
não te comprometas
ele só pode oferecer-te
o território cinza das ruas livres
OSVALDO SAUMA
Poeta e professor de literatura da Universidade de Castella, San José da Costa Rica. Vencedor do Prémio Latinoamericano EDUCA 1985 com o livro Retrato en família. Tem também publicados livros de poemas, como La huellas de desencanto (1982), Asabis (1993), Madre nuestra fértil tierra (1997, em coautoria com Freddy Jones) e Bilácora del Libro (Edições Perro Azul/ICI, 2000). Compilou numerosas antologias de poesia latinoamericana e em duas ocasiões foi o produtor do Encontro Latinoamericano de Poesia do Festival das Artes da Costa Rica.

2005-12-18

DESEJOS

Vou entrar na Taverna e beber um copo. Se houver lugar para o Queen também topo. E posso beber um copo ou dois ou três ou... pela noite dentro, porque hoje é Sexta.
Bebo destes brandys (destilados de fruta) feitos de vinho duplamente destilado e podem ser da região de Cognac. Nem toda a gente gosta. Eu ainda não sei se gosto!
Esta beberagem insere-se na categoria dos pecados, depois de um excelente jantar, de um café forte e uma troca de olhares cúmplices com a negra da mesa ao lado. Paixão ou já estou bêbado?O diabo que não entre na Taverna senão temos maka. Os objectos do desejo estão em cima da mesa e vai ser a noite da malandragem.
Não mexer!!!
Amanhã prometo beber o chá de Casablanca e dormir até ser dia.
Espero que a entrada seja limitada.
Tentações de um angolano perdido no mundo.

2005-12-14

RELÂMPAGOS

A guerra não nos dá tempo para aprendermos ou nos adaptarmos

Wang Liang

2005-12-06

SE CALHAR MAIS QUE NOS OUTROS DIAS

Hoje, se calhar mais que nos outros dias, apetece-me sacrificar os preconceitos no altar de Afrodite. Ávido de desejo, fico louco para cantar a exaltação do amor e eternizar o ser da felicidade que se manifesta pela união entre os nossos corpos e as nossas almas. Escangalho a moral erótica e cavalgo nas palavras sublimes do ser amor.
É grande a alegria que sinto em errar pelo mundo e ando maravilhado com o genuíno pulsar da poesia do agrado do ser humano. Apraz-me o gozo de te querer bem. Gosto de te ver na transparência do teu vestido branco, descobrir a tanga pequenina que encobre a saliência do teu sexo e olhar e não ver nada que desfigure a naturalidade do teu corpo. Pernas, coxas, braços e tudo. Beleza que me persegue a todo o instante e que me tenta, sorrindo com o sorriso dos teus lábios molhados de prazer fascinante, enquanto eu sigo, com olhar felino, o teu corpo amado em sensações estranhas.
Sim, percorro as tuas coxas com as minhas mãos caladas, oiço o teu respirar ofegante, sinto as tuas carícias ardentes de desejo, cubro-te de beijos, aprecio o aroma macio dos teus seios, refresco com o ondular dos teus cabelos, amo o lânguido balouçar do teu corpo, desejo-te, gosto de saborear a tua boca na minha boca num eterno beijo, sou todo teu, aperto as minhas mãos nas tuas mãos, cravo o meu desejo ardente na doçura da tua carne.
Acordo finalmente do meu sonho e contemplo a imortalidade do culto do amor. Hoje, mais que nos outros dias, apetece-me violar a moral e as leis instituídas pelos fanáticos da vida e da morte. E amar-te. Eternamente.

2005-12-05

5 de DEZEMBRO, DIA DO VOLUNTÁRIO

Todo o voluntário é solidário, mas nem todo o solidário é voluntário.

Francisca Carvalho, CÁRITAS

2005-12-04

A BOLA COLORIDA

Sempre existiram e existem alguns recalcados que pensam que o mundo se resume a si próprios, invocando, por vezes, com laivos de paranóia, as fogueiras do Santo Ofício para nela queimarem todos aqueles que não pensam como eles, aqueles que estão de boa-fé, de boa vontade, de consciência límpida, com ideias próprias e ideais de luta surda ou aberta mas que dignificam quem nela participa, a favor da dignidade do ser humano.
O Mundo precisa de todos os que não têm medo das palavras, não receiam as realidades, sabem estar ao lado das causas justas, são poetas da vida e acreditam na libertação do homem e nas liberdades. São o indiscutível garante da coragem cívica, criadores do civismo, percussores da gratidão dos vindouros que também acreditam na verdade, indispensáveis à história dos povos.
E mesmo assim o "mundo pula e avança", como escreveu o poeta, e não se compadece com atrasos, demoras, devaneios, pequenas virtudes, terapêuticas psiquiátricas, tratamentos imediatos, recalcamentos, morte. O Planeta gira "como bola colorida" à procura de uma paz interior, do próprio futuro.
E os que acreditam nas coisas belas não deverão esquecer nunca o caso do magistrado que judicialmente perseguiu, em França, a Madame Bovary, de Flambert, e Les Fleurs du Mal, de Baudelaire. Anos depois, já reformado, foi surpreendido, numa igreja, a introduzir estampas pornográficas nos livros de missa das devotas. São geralmente assim os defensores da moral pública.
Mas apesar destas contradições humanas, os movimentos de rotação e de translação da Terra mantêm-se e têm vida. A poesia e a palavra são belas, acutilantes, e a vida vale a pena viver-se, continuamente empenhados!