Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2007-03-30

ÉS MINHA


Aqui estou eu à espera de um batuque que me faça bater o coração com mais força. Tenho um ar infantil, talvez imaturo, caricatural olhando as gentes crescidas, as gentes da minha terra vestidas com capotes de ilusões ouvindo os sábios que tudo sabem. Estou na minha África que me oferece o seu corpo esguio, vestida de ganga, uma ganga onde o uso já deixou marcas, olhando-me com uma timidez que não esperava, tentando sorrir-me e acenando-me timidamente respondendo a um adeus que lhe dirigi. Parece uma gazela assustada. Mas fico, com todo o meu amor, amarrado à geografia do seu encanto, olhando o seu corpo moreno, escutando o seu conversar que me surpreende, e sigo os seus gestos imprecisos agarrados à vontade forte que tenho de voltar. Tens a opinião firme de quem conhece a vida e os homens, a pincelada certeira de quem descreve o quadro crítico e inteligente que vem do teu sorriso enigmático. Admiro a tua paciência de me saberes ouvir num emaranhado de pensamentos que desfilam céleres pelas ruas dos disparates de alguém que está sentado, à volta da fogueira, esperando os minutos que faltam para ver a humanidade renascer.

Tantas vezes me apeteceu sentar-me a teu lado, sob um pretexto qualquer, olhando o teu rosto de fruto, os teus olhos de caju, a boca fresca de amoras silvestres, esperando os afagos das tuas mãos deslizando no nu da minha paixão. Mentia-te se não te dissesse que o teu corpo tem ritmo, que não esperava o teu olhar de olhos rasgados em sonhos de luar e os teus beijos húmidos, que não queria a tua boca sussurrando-me segredos de amor. Agora não sei se me atrai mais a gazela assustada ou a mulher forte e interessante que tu és. Nesta noite fria e cheia de ilusões ouvindo-te contar as histórias da minha meninice falta-me sempre a coragem no último momento.

2007-03-26

TROVAS DE D. GUESTU ANSUR

Depois não digam que não há gente importante. Pois cá o "je" não é só Figueiredo Fernandes mas também Figueiredo das Donas. Ah!, pois é! Então aí vai uma pequena lenda sobre a dita Figueiredo que ao que parece também foi "musa" para o primeiro poema escrito na língua de Mia Couto.

LENDA

FIGUEIREDO DAS DONAS

Nesta pequena aldeia (perto de S. Pedro do Sul), conta-se a seguinte lenda:

- Mauregato usurpara o reino de Leão, graças ao favor do califa Córdova, que lho concedera a troco do tributo anual de 100 donzelas cristãs. No ano de 784, seis dessas donzelas eram conduzidas, com escolta montada, pelo caminho de Figueiredo, para serem entregues ao usurpador. Orélia, a mais formosa, estava noiva de D. Guestu Ansur, cavaleiro que ali morava num Paço de que hoje só resta a memória e fraca ruína, e conseguiu avisar o amado da sua grande desdita. O cavaleiro reuniu então um punhado de soldados valentes e caiu com tal ímpeto sobre a moirama que num instante a dizimou. Tendo salvo as donzelas, D. Guestu desposou Orélia no seu paço e para ela compôs o seguinte poema de amor, que é, aparentemente, a mais antiga poesia escrita em língua portuguesa:

Trovas de D. Guestu Ansur

"No figueiral figueiredo

a no figueiral entrey,

seis ninas encontrara

seis ninas encontrey,

para ellas andara

para ellas andey,

lhorando as achara

lhorando as achey,

logo lhes pescudara

logo lhes pescudey,

quem las maltratara

y a tão mala ley.

No figueiral figueiredo

a no figueiral entrei,

Vma repricara

infançon nom sey

mal ouuesse la terra

que tene o mal Rey

seu las armas vsara

y a mim sse nom sey.

Se hombre a mim leuara

de tão mala ley,

A Deos vos vayades

Garçom ca nom sey

se onde me falades

mais vos falarei

No figueiral figueiredo

a no figueiral entrei.

Eu lhe repricara

amim sse nom irey,

ca olhos dessa cara

caros los comprarei,

a las longas terras

entras vos me irey,

las compridas vias

eu las andarei,

lingoa de arauias

eu las falarei.

Mouros se me vissem

eu los matarei.

No figueiral figueiredo

a no figueiral entrey.

Mouro que las goarda

cerca lo achei,

mal la ameaçara

eu mal me anogei,

troncom desgalhara

troncom desgalhei,

todolos machucara

todolos machuquei,

las ninas furtara

las ninas furtei,

la que a mim falara

nalma la chantei.

No figueiral figueiredo

a no figueiral entrei"

2007-03-02

A MANUEL BENTO


Aos 58 anos faleceu o antigo guarda-redes do Benfica e da Selecção Nacional de Portugal, Manuel Galrinhos Bento. Aqui deixo, como benfiquista, a minha homenagem a este grande futebolista mas acima de tudo a este grande homem.
De repente tudo se escurece, a tempestade aparece de mansinho e sem se apercebermos do que vem aí, ela destrói tudo sem termos tempo de reacção,
nem respiração.
Mas isto é só o princípio, o pior vêm a seguir, a seguir a tempestade. Tentar recuperar de tudo o que sofremos e quando nos apercebemos ainda estamos muito longe do fundo do túnel. Cada vez mais fundo, e mais profundo, perde-se a vista só de olhar. Mas depois aparece meio mundo fingindo-se preocupado, com remorsos a tentar fingir que nada daquilo aconteceu, mas aconteceu e é verdadeiro, bastante real para podermos ignorar. Porque as pessoas tem medo de enfrentar os medos, tentar continuar a vida, a residir sempre melancolia saudosista, pois o tempo não volta atrás.
A tempestade lá se vai, mas o pensamento continua, continuará sempre enquanto as pessoas o quiserem lá. Mas nada impede que continuemos a amar a vida, a deseja-la como se fosse o último segundo que a tivesse.
Bruno