Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-06-28

OS BAILES DO FERROVIA

Bailes e mais bailes. Que bom eram os bailes onde todos redopiávamos, com o corpo e a cabeça. Talvez á procura de uma sensação nova, de um calor mais ofegante, de um passo maluco. De um bichanar ao ouvido para ela dizer que sim. Assim sonhava eu com os bailes do Senhor Januário, cantados pelo poeta.
Mas a realidade dos meus bailes, no Ferrovia, no Huambo e no Luena, alguns no Cubal, era bem diferente. Fatinho à marujo, meias pelo joelho, brancas como a neve, com pom-pons de lado, brilhantina no cabelo e muito Bien Être no corpo. Uma última olhadela ao espelho e aí vai Duan Juan à conquista das beldades.
As moças mais bonitas do meu bairro esperavam ansiosamente pela entrada triunfal destes galãs de fim de semana. Uns mais galãs que outros, é bom de ver. Os mais tímidos, brincadeiras no salão, os menos mais tímidos uns jogos de ping-pong (gosto mais desta palavra que ténis de mesa) e snooker, os menos tímidos moças bem agarradas pela cintura, rodopios na sala até à vertigem final, conversa em sussurro sobre promessas de amores eternos. Confesso que a parte que mais apreciava nestes apertares de coração era quando a orquestra do Ferrovia anunciava que ía tocar o Je T'Aime Moi Non Plus, para acabar a noite com muito amor.
Já crescidos, púberes, adolescentes, atrevidos chamava-nos a vóvó Chica, corríamos ao jardim do clube e procurávamos uns 20 centímetros de bambu, que cuidadosamente ou não os introduzíamos nas jeans, já apertadas, e preparávamo-nos para atacar e atracar na moça mais linda do baile. Aquilo é que era um esgar de dor e prazer nos poucos ou muitos minutos que durava a canção e a dança. Nunca soubemos se tal feitiche, engodo, produziu efeito nas garinas dos meus bailes.
Lembro-me, isso sim, de ter sido aquecido por mão materna, no final de uma destas festas. Enjeitado pelo olhar mais luminoso dos meus sonhos, coloquei, de raiva, no cabelo de um rival, uma chewing gum. O mafarrico tinha-me "levado" a beleza da noite. Sei que no final para tirar a dita pastilha elástica se procedeu, eu não porque estava psicologicamente abatido pela nega da moça, à cortadura do cabelo no alto da cabeça do adversário. Ficou que nem coroa de padre. Todas elas se riam de soslaio e a fera chorosa chamou o pai protector que enfurecido por a sua cria estar a ser a risota da festa resolveu pedir satisfação à mãe cá da fera. Em verdade vos conto, que a festa continuou lá em casa mas com outra música e outros intérpretes.
Vingança. Entre os amigos, o coroa de padre, ficou,a ser conhecido mesmo por este nome e, entre as beldades do bairro, por maricas. Como eu gostava dos bailes do meu Ferrovia.