UMA ESPLANADA EM ALEXANDRIA
Sento-me na esplanada do café Pastroudis para ver o mundo passar. E lembro a minha outra esplanada e o meu outro café. O Pastroudis foi frequentado pelo poeta Cavafy e por uma clientela boémia. Com paineis de madeira, do início do século XX, é um refúgio de quem percorre a Corniche de Alexandria. Aqui se descansa, se sonha, se recorda, da vida e do mundo. Bebo, suavemente, o meu tinto, Cru des Ptolémées de 2004, misturando os sabores da minha refeição. Um provérbio egípcio afirma que "a melhor comida é a que enche o estômago". A cozinha egípcia assegura um sabor rico e cria um forte impacto nas artérias. Dominada pela semna, a manteiga, uma refeição não é completa sem carne. Recordo que hoje "enchi o estômago" com fuul, puré de favas, taamiyya, pastéis fritos de favas e ervas, também chamados falafel, e koshani, uma mistura de macarronete, arroz, lentilhas e cebolas.
Amei Alexandria, cidade fundada em 332 a.C. por Alexandre O Grande. Próspera, influenciou os escritos de Lawrence Durvell, E. M. Forster e Constantine Cavafy. Este foi o local onde existiu uma das sete maravilhas do universo, o farol de Pharos. Construido no século III a.C. pelo arquitecto asiático Sóstrato, o farol foi usado quase durante mil anos e negligenciado aquando da ocupação árabe.
Ainda com estes pensamentos, visitei a Biblioteca, edifício cilindrico, feito de granito de Assuão, com telhado envidraçado, inclinado para o mar, para fazer incidir o sol nas 2000 mesas das salas de leitura. A Biblioteca tem capacidade para receber oito milhões de livros e reergue-se após ter sido destruida por um incêndio, há mais de dois milénios. Na memória, recordo as visitas ao museu Grego-Romano, ao Forte Quithey, à Necrópole de Anfushi, ao Pilar de Pompeia, às Catacumbas de Kom ash-Shuqqafa.
Andei pela Miden Saad Zaghloud, a praça onde se encontra a estátua do líder egípcio Zaghloud e onde existem três cafés art déco dos anos 20, o Athineos, o Délines e o Trianon. Durante o passeio tive o privilégio de escutar, pela rádio, uma voz sublime, voz cantada, forte, qual banda sonora saída de um filme. Um filme com argumento de Naguib Mahfout, Prémio Nobel da Literatura. A voz é de Umm Kolthum, símbolo cultural do Egipto e de todo o mundo árabe. Umm começou a cantar com o pai em casamentos nas aldeias do delta oriental do Nilo, em 1910. Maravilhados com a sua voz, família e amigos encorajaram-na a mudar-se para o Cairo. A partir dos anos 30 e durante quase 40 anos, o Egipto parava às quintas-feiras para ouvir o concerto ao vivo de Umm Kolthum que era transmitido pela rádio. Gravou mais de 300 canções e participou em inúmeros filmes. Morreu em 1975.
A história de Alexandria está, também, ligada às criminosas mais famosas do Egipto e que foram julgadas e enforcadas em 1921, depois de acusadas pelo assassinato de 17 raparigas. As irmãs Raya e Sakna inspiraram escritores, dramaturgos e argumentistas e fazem parte da mitologia do Egipto. É o que leio num dos muitos livros que adquiri na livraria da Biblioteca.
Ao fim da tarde saio da cidade e tenho tempo de ver o mar Mediterrâneo e os salvados de navios naufragados resultantes de batalhas militares romanas e napoleónicas. Sinto saudades desta civilização magnífica e duradoura que me fascina e fascina a civilização. Virado para o futuro, o Egipto não esquece o seu passado glorioso o que faz deste país um lugar único. E em África.
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