Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-02-06

MIRA B.

Sei, mermão, da tua presença, no teu descanso, nas montanhas geladas de um tempo vivido. Vinte e quatro horas nos separam de uma pura saudade de um tempo que chegou abundante de palavras e estórias que se ajustam à eternidade futura. As minhas mãos sacodem a poeira dos anos queimados, de saudades fundas, de respostas dos nadas que se aprendem.
Uma luz tropical, húmida e densa, desceu pelo altíssimo tronco das palmeiras plantadas nos planaltos dos meus sonhos, contemplando os olhares ternos dos silêncios. Também sei, mermão, que partiste para o Sul no desejo de hoje, sentado numa esplanada, entre palmeiras e pássaros de alheados olhares de quem já viu tudo, afagares as loiras de segredos terríveis.
Te conto só. Lembro-me de ter estado em Barcelona à procura do insólito, de um vento que me levasse de regresso à minha infância. Como Juan Miró, também admiro os jogos de água na Fonte das Três Graças na Plaça Reial, vejo dançar a sardana na Plaça de Sant Jaume lá pelos finais da tarde, os pares anunciando imagens soltas, frases, cheiros, coragens. Caminho pelo Passeg de Gracia, bebo uma e outra ainda no Moll da Marinha, no Port Olimpia, e acabo a noite a percorrer os bares, restaurantes e discotecas, e a citar Goethe, "a noite é metade da vida. A metade melhor ".
A cidade de Gaudi, Picasso, Dali, Tàpies, Miró, fascina-me pela criação cantada nos romances, nas pinturas, nos monumentos, no amor. Ouvir jazz no histórico bar Jamboree é um hino à cultura, à esperança. Penumbra, muito fumo e boa música, vencem as sombras do passado e ajudam-nos a pensar nos beijos trocados na noite.
A simplicidade das soluções da velha Barcelona encantam-me e fico preso às telas do imaginário vivido percorrendo as ruas e visitando a Casa Milà, La Pedrera, a Casa Batlló, a Sagrada Família, o Parque Güel. Subo a Rambla, rio não seco inundado de mundo, rio de gente, que corre desde a Plaça de Catalunya até ao mar, e sorrio. Nas ramblas vende-se o Sul. Aves exóticas, jibóias, flores e peixes tropicais.
À noite, mais uma noite, onde a Lua é mais brilhante, subo a montanha, sento-me ao balcão do Mira B., um bar que banha e lava de luz a cidade dos suspiros poéticos. Um verdadeiro filme de Pedro Almodôvar. Ali se constroem as madrugadas, esperando amanheceres diferentes, sonhando com a conquista de um futuro, os silêncios das respostas, convicções firmes de abraços forjados nos longos beijos trocados com os amores ao povo meu.
E assim mesmo, vejo-te, mermão, nas montanhas geladas aqui tão perto, a abençoar a noite, semeando esperanças na nossa terra quente e húmida, nos planaltos perdidos para lá do Mediterrâneo. Bebe uma birra comigo e exalta a amizade.