Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-01-29

HORA DO LOBO

Pasme-se. Aqui estou eu. Completando os caminhos do Norte. Sentindo o medo de ter medo. Na noite gelada dos silêncios. ouvindo o piar dos mochos cantando louvores à Lua. Os meus pés escolhem as pedras do caminho semeado nos xistos da serra. Todas as sombras são poucas. Nem preciso dos olhos para querer chegar ao fim da noite escura.
Na tasca do ti Valdemar, encostado à parede caiada de esperanças e desilusões, bebo mais um copo de vinho. De um tinto feito pelos tentáculos da vida de um povo arrebatado à serenidade do passado. Vinho sem corantes nem conservantes, parece afirmar a televisiva senhora colocada por cima do balcão de madeira. Numa das mesas, Manel Chanquinhas, Zé Nestor, Salta Pocinhas e Zé Campeão jogam o jogo que os separa da mais recente ausência. A sueca.
- Valdemar, mais uma picheira desse teu tinto. Parece vinho de missa, carago!
A cinza acumulada nos cinzeiros das mesas faz bailar a sombra dos fumos aspirados à procura de um final sem regresso.
Lá vou olhando a noite, o vento irado, a brancura do gelo demoníaco. Paro. Os meus olhos fixam outros olhares que me cercam. Vermelhos de ódio ou admiração, nunca saberei. Hipnotizado diante da beleza da hora do lobo anunciando a batalha das trevas. Acendo um cigarro. O fumo aproxima-se do céu negro sem luzes. E o lobo abandona as duras fráguas, correndo para as montanhas que aguardam a sua sorte fatal. Inverno no Marão.
A minha carne em fogo aceso deseja a fonte para o doce banho das esperanças afogadas pelas últimas chuvas. Queimadas pelo último cigarro, na noite de Trás-os-Montes. Enganado num exílio manso, sonho com os mares de todo o ano e o sol que aurora nas montanhas que abraçam os destinos.