Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-01-10

OS DA CIDADE E OS DO MATO

Confesso que sou um homem do mato gostando imenso das cidades. Principalmente quando me apaixono por elas. Aliás sou da opinião que as cidades não são bonitas nem feias. São como as sentimos.Mas sempre vi a gente da cidade com uma visão social crítica. Fosse na passagem de ano, made in colónia, fosse noutras festas onde se tirava a naftalina e os bolores das vestes domingueiras. Detestava as leituras de algumas bibliotecas onde existem livros defensores de um sistema indefensável, para se mostrarem aos do mato como se era mais elegante e mais esperto que não inteligente. Mas as minhas festas, as verdadeiras farras, que também as tive na cidade, eram na sanzala, no mato. Com as pessoas sem máscaras. Verdadeiras, às vezes sofridas, e autênticas. Solidárias.
Lembro-me de uma dessas farras no Cazombo onde falávamos, descomplexadamente, dos da cidade. Críticas aos da cidade por serem homens e mulheres transparentes, quase sem cor, nescessitando de pinturas, que não para a dança ou para efeitos guerreiros, mas para disfarçarem a vergonha, se a tinham, do que faziam e não faziam.Os da cidade com as suas barrigas de jinguba, que largavam o seu arroto e o seu punzinho de manhã, transbordantes de felicidade e de ostentação. Que criticavam tudo e todos. Tinham mulheres à imagem das mães, imaculadas, sofridas, silenciosas, resignadas, para todo o serviço. E se serviam das do mato. Que entravam nas suas camas sedentos de sexo mas impotentes pelo Wisky e cerveja bebidas nas noites, que chamavam tropicais. Envergonhados quando na noite anterior tinham sido surpreendidos a beijar o amigo. Que criticavam as mulheres, ficando chocados, por elas, às vezes, se distraírem e também soltarem um arroto ou se terem "descuidado", à sua frente, enquanto colocavam a gravata, logo pela manhã. Era proibido para elas terem estes comportamentos embora eles arrotem e ressonem a vida inteira. Não lhe admitiam terem amor quanto mais amantes. São os da cidade que vão para os copos com os amigos quando se casam, nascem os filhos ou ganha o seu clube favorito. No futebol, único desporto que conhecem além da malha e do chinquilho. Cheios de impossibilidade de conforto e de ideais de superioridade.
No mato procurava pessoas e sou homem para acordar com alguma lucidez sem me perder com o passar dos dias. Mas como começo a ter barriga de jinguba, vivo na cidade e já há muito que me descuido (como sou rico chamo-lhe aerofagia e aerocolia, só os pobres é que arrotam e dão o seu punzinho ou peido, depende da intensidade), os meus filhos fizeram o favor de me oferecer o DVD, Shrek 2. E qual não é o meu espanto quando reparo que uma das rubricas do DVD é "Aprenda a Arrotar como a Fiona ou o Shrek". Confesso que já estou a treinar.Aconselho o DVD a alguns puristas porque lhes vai aliviar algumas más disposições do tubo digestivo. E escusam de tomar Omeprazole.