Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-04-26

PERDIDO NA CIDADE

Lisboa, Abril de 2005. Desiludidos ficarão aqueles que esperavam que eu fosse escrever sobre as virtudes e os defeitos de um Abril em Portugal e de quem nele participou, mesmo os que não queriam.
Não! Hoje não! Não me apetece e não estou para aí virado. Nem tão pouco me inspiro para descrever o colorido de suaves vermelhos, verdes e cinzas que fazem o mosaico desta Lisboa que eu também amo e que visto do ar contrasta com o deslumbrante brilho do Tejo.
Hoje visto as minhas velhas jeans, a camiseta já gasta pelo tempo, "dou corda" às sapatilhas, e inicio um percurso português, cosmopolita e autêntico. Percorro o Campo Grande e os seus jardins, devagar, devagarinho e vislumbro os telhados na inquietude dos velhos bairros, cruzo-me com as suas gentes em loucas correrias à procura sabe-se lá de quê e indo para o sei lá, refresco-me com a brisa dos horizontes que sopram de uma modernidade que tarda em chegar.
Na minha hora, hora de matar o meu bicho, resolvo sentar-me num daqueles lugares que existem na cidade e onde se finge tomar uma refeição sempre, com o tempo contado. A Camponesa, a seguir ao Javali, que é a seguir à Vila Rica, anuncia comida caseira, rápida e saborosa. Olho, de relance, o anúncio que anuncia comida, escrito numa folha branca A4 a marcador azul e colocado numa placa de anúncio Olá, e não encontro nada de caseiro.
Enfim! Vamos a isso. Sento-me numas mesas, toalhas azuis debaixo de umas de papel presas por molas, numa curva do passeio, chapéus de sol da Coca Cola, abençada sejas Coca Cola que estás em todo o lado, aproxima-se um empregado, talvez com uma ementa. Nunca o saberei porque de imediato peço um bitoque e uma imperial, loira e super gelada. Enquanto espero, naquele passeio, controlo as pessoas que correm de um lado para o outro, à procura do presente calculo. E eu ali estou no meio da gente, daquele trânsito infernal, absorvendo fumos e poeiras que me aumentam a minha sede, sobrevoado, pasme-se, por aviões que vou tentando saber de onde porvêm. Passatempo arranjado à última da hora e que me levou a descobrir que deve ter acabado o papel autocolante para renovar o desaine da companhia aérea portuguesa, pois o rabo dos aviões continua igual ao do antigamente e não com as pinturas pré-primárias de um modernismo saloio.
Um jovem, cabelos e barba grisalhos e desgrenhados, talvez poeta da vida, procura no caixote do lixo, da rua, a sua comida caseira, rápida e saborosa. Já estou eu a tragar um bife retirado dos cornos da vaca de tão rijo que é, dois tomates que já deram a volta ao mundo fechados num taparuere, umas batatas fritas de um tom amarelo icterícia e um ovo que deve ser de galo anémico, pois gema e clara confundem-se num tom pálido e doentio. No final um café deslavado com sabor a água de lavar pratos. Uma satisfação percorre-me no final desta rápida refeição. A cerveja era estupidamente gelada e ninguém me ouviu ao enviar para a atmosfera o meu ruído de descontentamento vindo dos interiores gástricos. Ningém me reprimiu ou fez um comentário de reprovação ao acto de um desesperado. Continuava, a multidão, parada à volta da minha mesa à espera que o boneco vermelho do semáforo mude para verde. E ala que vamos todos embora. Eles e eu. Sem antes ter de desembolsar 6 e 45. Agora reparo que o relógio da antiga Feira Popular parou às 6 e 45.
Hoje continuo a gostar mais do fascinante mundo do campo. Aqui o tempo é mais harmonioso, o sol sabe-se espreguiçar, o ar é mais alegre e convidativo e a comida é mesmo caseira e saborosa. Não é rápida.