Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2005-04-14

DERVIXES

O calor anuncia a tempestade de areia que está por perto. Sento-me naquela esplanada, ou será Magia, que anda para cima e para baixo, no Nilo, a mostrar o Cairo que quer abraçar o rio. Não sei, nem quero. Hoje apetece-me esta esplanada, quente, sem uma brisa nem uma notícia do longe. Sussurro uma frase qualquer à procura do ávilo do al-Garv. Apetece-me estar só contando estórias simples. Peço, de repente, duas Sakara, frescas. Porquê duas? Nunca o saberei. Vejo, alguns de tez rosada, loiros, azuis no olhar, outros esbugalhados, dizendo inxhalá numa língua que ninguém quer como sua. Olham uma rapariga esforçando-se na dança do ventre. Alguém, árabe, me diz que esta dança não é a tradicional. Ven(tre)de-se aos turistas. Então fala-me dos dançarinos Dervixes.
Os Dervixes do Cairo são membros da seita Mawlaiyya dos Sufis, seguidores de um ramo semimístico do Islão. Os Sufis eram originalmente associados à pobreza e à autonegação e usavam vestes grosseiras de lã sobre a pele. O nome de Sufi deriva de suf, a palavra árabe para lã. Os Sufis aspiram à união com Deus, através da meditação, da recitação, da dança e da música. Os Dervixes proporcionam uma visão rara deste fenómeno, de outro modo oculto, na sua dança de movimentos rotativos. Bailarinos com trajes coloridos giram como piões enquanto músicos tocam um ritmo hipnótico, abanando a cabeça de um lado para o outro.
A minha cerveja com nome de mulher, Sakara, chega ao fim e cansado pelo ritmo da dança, meditando na rotação corpórea dos dançarinos, numa diálise perfeita entre o líquido descoberto pelos egípcios e o meu suor, vertendo a minha cerveja em movimentos sensuais deglutidos pela sede de um amanhã feito amizade, abraço, eu, o Cairo nesta noite quente. E o Nilo corre de mansinho, como todos os rios, em direcção ao mar.