Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2006-01-10

MARINHEIRO DE DESEJOS


Este louco ser humano, louco navegante, indígena do sul, apaixonado por viagens, em Dezembro de 2005 ficou tão encantado e maravilhado como quando, a 18 de Setembro de 1502, Cristóvão Colombo aportou, na sua quarta e última viagem, à baía de Limon, também chamada de Cariari, e habitada pelos autócnes da Costa Rica. Cristóvão Colombo e os seus homens faziam história porque pela primeira vez esta terra recebia um homem branco. O mesmo já não aconteceu comigo! Nem aconteceu história, nem era o primeiro homem branco a chegar a estas paragens. Em Cariari, o Almirante Colombo, permaneceu 17 dias para reparar os barcos e dar descanso à sua tripulação, doente e esgotada pelas violentas tempestades no mar. Após o repouso, Zorobaró e Veragua foram os locais "visitados", mais tarde, pelo Almirante e os seus marinheiros.

Em Novembro de 1821, a Costa Rica declarava a independência da Espanha e em 1983 o presidente Luís Alberto Monge invoca o peso simbólico da história costariquenha e declara o país neutral "de forma perpétua, activa e não armado". O fim do exército teve o apoio popular à "Declaração de Neutralidade" e uma gigantesca marcha pela Paz desfila pelas ruas da capital, San José. A paz converte-se na base da política externa da Costa Rica e foi a bandeira do governo de Óscar Arias Sanchez (1986 - 1990) e da jovem geração do Partido de Liberación Nacional - PLN, o que lhe valeu o prémio Nobel da Paz em 1987. Fixo-me nestes pedaços da história deste pequeno país da América Central enquanto percorro, de Sul para Norte, a auto-estrada pan-americana, de San José a Puntarenas.
Agora sentado numa esplanada em Puntarenas, aguardo o barco que me há-de levar a Tambor e às suas praias protegidas da Baía Ballena. Como os marinheios do Almirante, bebo a minha Imperial, cerveja local, que me aconchega a solidão e as palavras de muitas ilusões que negoceio com a folha de papel rabiscada onde escrevo estas lembranças, longe dos sonâmbulos sonhos. A cerveja serve-me de companhia aos sonhos e à refeição de arroz branco e feijões fritos com carne e presunto, Gallo Pinto, prato tradicional da gastronomia indígena.
Olho para o mar e para as nuvens que viajam directamente para o sul. O sol, do final da tarde, doura-se nas coxas crioulas de uma "machita", cor de ébano, de carnes quentes e que relampejam desejos de amor. Recordo o poema de Ana Istarú, Amor, que me sugere que quando ingerimos qualquer tarde "os ombros ardem como estrelas ou mares", mas "como qualquer milagre de orvalho, é frágil... e deixam guardados a chave, os beijos". Frágil é esta minha paixão tardia que só tem palavras, não se quer comprometer e só pode oferecer um olhar suave e terno.
Neste lugar de latitute zero, como escreveu Osvaldo Sauma, fico silencioso ouvindo a música de El Charro que canta e recita poemas de trovadores populares e tradicionais. Como é bela a música tocada por instrumentos como o ukelele, o quijango, a zambumbia ou sheki sheki, a tumba, os güiros e a carcholata. Assim será mais fácil sonhar enquanto caminho palo Parque Nacional do Vulcão Poás, a 1900 metros de altitute, ou no Refúgio Nacional de Curú. Como Cristóvão Colombo em 1502, também eu, em 2005, me mantenho impressionado diante de tanta beleza natural e de tão rico território que faz da Costa Rica um palenque de pura vida! Mesmo não encontrando os índios chorotegas, borucas, huétares, guatusos e guaymis, engalanados com o ouro, mas somente os ticos transbordantes de simpatia e revelando que tudo o que dizem e cantam vem das suas veias.
Já noite dentro, agradeço a Sibú, ser supremo, criador do Universo, divindade dos cabécar e bribrí. Nesta mesma noite em que uma lua prateada descobre o horizonte e habita o teu corpo de mulher, e cavalga entre as tuas pernas num emaranhado de poemas procurando uma caverna tépida e húmida banhada por pulsações suaves, ávida de receber amor. Cascatas de beijos brotam da tua boca num ímpeto de desejos. Lá fora a chuva cai de mansinho no imenso areal da praia de Tambor, na Baía Ballena, como as gotas da minha Imperial que orvalharam a sede do meu desejo, naquele porto em Puntarenas.