Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2006-01-08

O SURFISTA

Rosita andava atarantada! Não tinha encontrado D. Juventina com quem passava os dias a segredar os seus males. O Juventin's Bar mantinha-se fechado e na Taberna não lhe apetecia ir. Mesmo com a festa de arromba que sabia estar a acontecer.
Fugiu para o Mussulo. Sentada na areia, entre palmeiras e o sol quente, mergulhada no pensamento distante, olhava as ondas. Nostalgia dos verões que aqui passou com amigos que estavam lá longe, para lá da linha que as ondas escondiam. Mesmo hoje, dia da padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Conceição, não conseguia ter raiva a quem a tinha deixado sozinha. Ela e a sua Nossa Senhora da Muxima.
De repente uma prancha, com cores já gastas, rasgava as ondas, as suas ondas, fervilhando em espuma e volteando na crista do mar. Em cima da prancha os seus olhos viam um deus negro, pingando suor misturado com o sal das ondas, das suas ondas, simples como são simples os que gostam da vida, uma verdadeira estátua ao amor. Um surfista ou uma miragem? Não era mesmo ele, o surfista. E Rosita que pensava que os surfistas eram loiros, sem corte de cabelo, oxigenados e de voz rouca...
O seu olhar vagueava pelo mar, horizonte e surfista, como uma gaivota à procura de peixe nesse mar africano que não é só azul, onde as cigarras não cantam só à noite, os tambores ecoam ininterruptamente, ou a terra cheira a molhado. Poesia de europeu em filmes a lembrar um passado que ela recordava mas ao qual não se sentia amarrada.Parecia hipnotizada pelo quadro pintado a cores apaixonantes. O coração parecia um tsumani onde o surfista tentava manter-se, cheio de amor, e percorria as ondas do seu corpo com a prancha sempre pronta a desenhar o mar de um prazer que só acaba no espreguiçar da espuma na areia. Nélson fez amor toda a noite e se despediu de manhã saindo numa onda que lhe esvaziou o quarto e o coração.
Correu o risco de se apaixonar. Porquê? Nem ela sabia a resposta. Responderia como uma vez Cesária Évora tinha respondido a um jornalista da TPA quando este lhe perguntou porque é que a diva cantava descalça e ela respondeu: Porque sim!
Pegou no copo, sempre junto a ela. Bebia uma bebida de cor exótica, intensa, com um paladar inconfundível, que se bebe sozinha, originária do Norte mas com nome de Sul. Pisang Ambom. E adormeceu ali na areia, junto à palmeira que à noite lhe tinha servido de quarto e onde se ouviu os gemidos mais febris e apaixonados que alguma vez o Mussulo tinha ouvido.
D. Juventina me espera para eu lhe contar esta minha paixão. Mas nunca pense que vos vou contar tudo...