BEIRA SERRA VESTIDA DE LUTO
Consegui ultrapassar mais um dia. Saltei o tempo que separa as vinte e quatro das zero. Nunca entendi se isto era uma vantagem chegar às duas dúzias e voltar ao ponto de partida. Apesar de ser um novo dia. Ou será um dia novo? Muitas batalhas houveram nestes dias. Quase em permanência, vejo as luzes azuis, os gritos de sirenes e de gente, o fumo e o calor de serras à minha volta que ardem e se vêm. O correr da falta de tempo e da falta de forças daqueles que se deixam vencer. As lágrimas de gente que fica a olhar o passado e o futuro, sem esperança. E não me apetece recordar o fogo que arde sem se ver. E fico a seco, sequioso de saber porque tudo isto acontece. Rostos talhados pelo tempo, vozes embargadas pelo destino, olhares nublados pela água que falta. Só pó e fumo. Empurrados pelo vento. Não, estas não são as queimadas das pinturas dos meus olhares colocadas em paletas de gente que ama. Com tintas fortes e quentes. Sinto que não estou só e que muita gente boa volta à minha tabanka para bebermos a poesia das palavras, qual analgésico para as dores da gente que sofre. Nesta beira serra que já está negra de luto e deixou o verde da esperança. Quase definitivamente.
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