Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2006-05-23

SILÊNCIOS

Foto: Augusto Fifer

Estou sentado na areia da minha praia ouvindo as ondas marulharem no horizonte enquanto tu passas, graciosa e linda, longe de mim, prendendo a minha alma. O teu encanto faz bater mais forte o meu coração e faz-me sonhar com o amor ardente que o meu sol pintou na linha curva que geometricamente é uma recta da paisagem azul do mar.
A brisa das palmeiras afaga-me o rosto com delícias sensuais e risonha, esta doce ilusão, faz-me lembrar que tu és a alegria do meu sonho desfeito em tristezas e, por isso, sinto-me desfalecer, sem esperanças, ouvindo mil canções trazidas pelas vagas de espuma que me acariciam o corpo deitado na areia da manhã.
Oiço os segredos murmurados pelas maresias distantes e procuro no infinito, lá longe, a silhueta morena de uma mulher de olhos negros, impetuosa, alagando os meus desejos de a possuir e deixando-me acreditar que os seus cabelos soltos são como as cearas livres da amargura e dos ódios. Fico louco de alegria porque tu procuras nos meus olhos saudades de memórias esquecidas, ofereces-me um beijo humedecido pelo ritmo azul do céu e do mar, trazes-me à recordação um tempo vivido e dizes-me que só queres ficar deitada no meu peito ouvindo o ecoar do amor, como tambores rufando o futuro e incendiando em mim tudo o que ainda não consegui encontrar.
Enquanto, serenamente, adormeço, deitado na areia da minha praia à beira mar, oiço os silêncios de todos os dias como palavras gritadas pela saudade e lembro-me que eu queria muitas noites junto a ti mas que agora eu só quero que tu me queiras. Crescem dentro de mim a magia profética que vai perfumando os instantes próximos e que correm lentos, suaves, doces, sulcando os caminhos que me hão-de levar à terra rubra das acesas esperanças. O mar toma o caminho da nossa África.

2006-05-09

O BEIJO


Havia entre eles uma cumplicidade de amantes. Ao final da tarde sentavam-se na mesa do café de todos os dias e trocavam olhares sempre ternos. Os seus olhos verdes cruzavam-se com os castanhos fortes dela e pareciam mais brilhantes que o verde da sua sagrada esperança. Era uma cumplicidade feliz que não se traduzia só nos olhares trocados nas tardes dos dias que corriam rápidos. O amor entre eles adivinhava-se na felicidade que se sentia quando entrelaçavam as suas mãos ou trocavam beijos de paixão. A felicidade é como o mar azul do oceano dos nossos sonhos. Vai e vem e escolhe, sem saber a razão, a areia onde se vai deitar. Flutua como o vento que seca a pele de quem olha o zulmarinho à procura do pôr-do-sol dos amantes. Num dia de Inverno, o amor deles começou com um beijo pedido com ternura, ou terá sido roubado? Nunca se importaram. Sabiam que os beijos, mesmo os roubados, tinham o sabor da doçura das marés.
Amavam-se muito, contra tudo e contra todos. Até contra as profecias anunciadas pela hipocrisia das pessoas. Uma paixão que gostavam de viver e que os fazia seguir em frente. Esperavam que todos os momentos fossem eternos. E era na luta do amor, corpos suados e cansados, que ficavam a viver os momentos mais felizes das suas vidas. Às vezes em silêncio. Na sua felicidade, trocada com carícias dos lábios prenhes de desejo, por vezes pareciam que andavam na praia dos segredos e riam-se alto contra o barulho das ondas. Como adoravam aqueles momentos dos sonhos que só pertenciam a eles. E era nesses momentos que voltavam sempre à ternura das palavras, dos gestos, das brincadeiras, do sexo, da intensidade do amor vivida a cada gemido. Sentiam um intenso prazer conseguido com um orgasmo que não conseguiam explicar. Pareciam felizes e eram. A felicidade deles era muitas vezes saboreada na doçura de um beijo, muitas vezes trocado em frente do mar que coloria de azul a imaginação de um amor sonhado à distância de um oceano. O mesmo oceano que os separava da enorme dúvida de seguirem o mesmo caminho. De mãos dadas trocando o beijo mais meigo que só eles podiam trocar.

2006-05-05

POPOL VUH


O Popol Vuh é o livro sagrado dos índios maias que habitavam no que hoje é a Guatemala. Nele se explica a origem do mundo e a história dos soberanos maias. É um texto escrito em língua quiché (grupo étnico da família maia) em meados do século XVI por algum membro da citada etnia que já tinha sido orientado pelos espanhóis, pois compôs a obra com carateres do alfabeto latino. O Popol Vuh (cuja tradução aproximada seria Livro do Conselho ou Livro da Comunidade) supõe um autêntico compêndio do pensamento quichés (e, por extensão, da mitologia maia) que possivelmente só tinham perdurado por tradição oral.
O Popol Vuh foi escrito originalmente em pele de veado, e transcrito posteriormente ao latim por Frei Alonso do Portillo de Noreña. A versão em castelhano foi realizada, a partir do texto em latim, a princípios do século XVIII pelo frade dominicano Francisco Ximénez, que descobriu o manuscrito num convento franciscano de Santo Tomás Chichicastenango. Ximénez o titulou Livro do comum. O nome Popol Vuh foi dado por Charles Etienne Brasseur de Bourbourg, um estudioso de temas americanistas que, já no século XIX, traduziu-o ao francês. "Popol" é uma palavra maia que significa reunião, comunidade ou casa comum, enquanto "Vuh" é o nome da árvore de cuja crosta se fazia o papel.
No Popol Vuh se distinguem três partes bem diferenciadas:
- A primeira parte é uma descrição da criação do mundo e da origem do homem, que depois de vários fracassos foi feito de milho, o alimento que constituía a base da alimentação dos maias.
- A segunda parte trata das aventuras dos jovens semidioses Hunahpú e Ixbalanqué que termina com o castigo dos malvados, e de seus pais sacrificados pelos gênios do mau em seu reino sombrio de Xibalbay.
- A terceira parte é uma história detalhada referida à origem dos povos indígenas de Guatemala, suas emigrações, sua distribuição no território, suas guerras e o predomínio da raça quiché sobre as outras até pouco antes da conquista espanhola. Descreve também a história dos Reis e a história de conquistas de outros povos.

2006-05-02

SEM NADA

Cancun, México, Abril 2006 Foto: Augusto Fifer



E eu que ando sem ideias e sem lápis e sem folha em branco e sem nada. Não do verbo nadar mas nada, de faltar qualquer coisa. Nem que seja assunto. Apesar de ter tentado. E fui ao zulmarinho ver o azul da amizade com danças na espuma das ondas, filmes nas algas do mar, linguagem verrinosa na areia escaldante da praia e muita alegria entre duas birras e algumas frizes. E a praia da claridade assistiu a tudo isto mas continuou de costas viradas para a minha criação. Também ela não foi e não estava. Nem por perto nem por longe. Assim mesmo e apesar da alta tecnologia enviar da praia da Rocha pratos cheios de coisas que o zulmarinho nos presenteia, fiquei com a fome dos versos e da poesia e das cartas que falem de tudo e de nada. Mas tudo se resolve e tudo há-de ter um fim. Como a linha recta que parece curva mesmo lá no horizonte. Gosto de ter amigos, essa é que é a grande verdade deste fim de dia.