Tabanka do Huambo

Saber compartilhar cumplicidades, na vida, como forma de cultura e de ciência. Cumplicidades de vivências com os amigos numa abordagem vital para a sobrevivência do Planeta Terra.

Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

Nascido no Huambo, em Angola. Médico de Medicina Geral e Familiar pela Faculdade de Medicina em Coimbra. Médico na Lousã.

2006-03-30

ESTRADA VAZIA



Nunca gostamos de percorrer as estradas da vida por vontades que não são nossas. Ou porque encontramos as estradas vazias ou porque de tão congestionadas as percorremos sem cessar. Num vai e vem deprimente. Assim deixamos os lugares, que julgávamos nossos, como se fossem uma sala vazia. Mas nos lugares fica sempre um pouco de nós. Fica, quase sempre, um pedaço dos sentimentos que não trazemos mas cuja perda sentimos tanto. Sentimos o eterno desejo de não cruzarmos a berma da estrada da solidão. Não conseguimos ficar à margem das coisas, das pessoas, dos hábitos, das conversas, dos cheiros, das cores, dos sons, e, muitas das vezes, das razões do sofrimento. Deixamos muitas coisas feitas de muitos tempos. E se temos a tentação de começar tudo de novo, de mudar de vida, também é verdade que logo olhamos para trás e queremos ver o que ficou lá longe.

E é com um sorriso que eu gosto de percorrer a estrada e ser acolhido na tabanka onde antes cresci, brinquei, descobri, amei. Onde antes aprendi a ser eu. Nunca se cresce transformando ou destruindo os espaços da nossa infância.

2006-03-24

NOVEMBRO


Com tristeza descubro que em Fevereiro ou Março ainda não é verão e o teu olhar está, amorosamente, húmido pelo orvalho das noites frias. Será em Junho ou Agosto? Sim, é de certeza nesta época, porque aqui os dias são longos e correm lentos, muitas vezes selvagens e alegres. O vento rola pelas dunas, o mar em espuma desaba inteiro nas areias da praia mordendo os risos de cada um de nós. Ah, mas em Novembro acordo desta indolência porque oiço as vozes gritar que somos livres. Declaramos, em Novembro, perante o mundo, as lendas e os mitos das madrugadas de esperança. Nasceste, assim, pela noite dentro, inventando caminhos que vão ao encontro do cruzeiro do sul e carregados de versos que rasgam as sombras que nos cercam.
Em Novembro, se pudesse, andaria na curva dos teus olhos onde procuro uma lágrima. Ou será de um beijo para adormecer na tua boca? Como gosto de percorrer os teus cabelos, vaguear no teu corpo doce, deitar-me ao pé de ti e voltar à terra amaciada pelas tuas mãos. Amo-te pela noite dentro até a luz das colinas invadirem a janela do nosso contentamento. Vais correndo ao encontro da minha felicidade, neste Novembro que não se perde na memória mas que cresce na ondulação do nosso mar. Talvez a manhã comece novamente e eu te siga, nos silêncios, à procura do eterno desejo de te beijar, devagar. A brisa vinda do sul entrelaça os nossos corpos carregados de esperanças mas cansados de tanto esperar. À noite adormeço no teu peito e tu afagas o meu rosto de criança.
Novembro diz que podemos ser felizes e ter todo o amor da terra. Suspiro pela água, pelo vento, pelo cântico dos pássaros, pelos lábios quentes que percorrem o meu corpo. Sonho com Novembro. Como sou feliz com o meu corpo aberto recebendo as primeiras chuvas caídas de um céu apaixonadamente azul. Mas às vezes, era bom que tu viesses. Não me importo que seja em Novembro. Mas podia ser em Junho.

2006-03-16

O TEU SORRISO


Estou de braços estendidos, lábios entreabertos, esperando e descobrindo o segredo do teu sorriso e das palavras que trazes para me dizeres. Gosto de percorrer os nossos caminhos olhando-te nos olhos, vendo a sensualidade do teu andar e lendo os versos que irradiam da beleza da tua imagem. Olhos deslumbrados, os meus, que percorrem o teu corpo desnudado e que conseguem ver o amor sagrado que me dedicas e que vem carregado de aromas e brisas. Os teus cabelos negros, lisos, mesmo assim são portadores de tantas cores como o arco íris das minhas madrugadas. Como gosto de os alisar com a ternura das minhas mãos. Os teus seios são a poesia que inventei, a força da verdade que nem sei. Gosto de os beijar e de os morder porque são a vida e a alegria que aquecem o sangue que me corre nas veias. Adormeço aconchegado nas tuas pernas ouvindo os sons dos rios que alagam o interior da nossa paixão depois de um amor vivido com mil gemidos, mil poemas gritados com a força das palavras em promessas de eternidade. Mulher da minha vida que te invento e recordo. Flor que desce do paraíso e que sabe que é o meu choro e o meu riso que me dá força para mergulhar no mar azul carregado de emoções e sensações, cumplicidades de quem faz amor comigo. A chama do teu amor, que nasce e morre dentro de mim, é a doce esperança do meu cantar mas também a lança que me mata a vida de ilusões. Um dia, meu amor, iremos juntos ver novamente os campos da minha infância, sentir os ventos que apagaram o meu viver, navegar nos rios que enchem os meus olhos com as lágrimas que são tuas, mergulhar os mares da claridade da minha grandeza de ser eu e de te ter a ti. E vais ver o fogo que tenho aprisionado no meu peito explodir em cores vermelhas lembrando as queimadas dos campos da minha terra. Serei outra vez menino deitado entre as tuas pernas, nas manhãs abertas à tua ternura. Como gosto do teu sorriso.

2006-03-13

DESÂNIMO


Tenho medo. Dizes-me que não devo ter medo, que devo ser confiante. Talvez tenhas razão. Mas… Confesso, tenho medo. Estou entregue à noite e volto a ser aquilo que não queria. Há sombras no meu caminho que me assustam. Sinto uma dor no peito que me sufoca e fico intranquilo. Medo da morte? Não sei. Se ela quiser chegar estou tranquilo e espero por ela. De peito aberto. Nada temo. Mas é esta angústia resignada que me destrói. E tu continuas a dizer-me que não tenha medo e que devo continuar confiante. Então começo a chorar e tenho saudades de um tempo bom. E não sei se é a última vez que tenho forças para te escrever o que sinto. Detesto a hipocrisia que me rodeia. Juro por Deus que nunca amei tanto e que só queria ser feliz. E porque não posso ser feliz?
Como é bom acordar de manhã e ver-te sorrir. Um sorriso que é um oásis de esperança e que as tuas mãos desertas me trazem, numa ternura que me acorrenta à tua luz. À tua luz chamada amor. A nossa vida não deve ser uma vingança. A nossa vida deve ser o caminho que muitos não querem que nós o percorramos. Oiço todas as vozes que ainda condenam a nossa paixão. E o que nos resta? De mim a incerteza de não ter mais forças para lutar e de ti o drama de não saberes vencer.
Mas como é bom chamar por ti nas noites longas, acordar nos silêncios e sentir que o meu coração continua a bater pela esperança. Esperança de que és um sonho feito realidade. Com os meus medos ainda te posso dar poemas de amor e esperança. Com a morte só a escuridão. Ri, canta, sente, ama, encharca o meu corpo com o suor da tua ternura. Amarra-me a ti e deixa-me ficar a pintar o sol que irradia do teu sorriso com as tintas de sangue das minhas lágrimas. Perdoa-me se te faço mal, mas peço-te que não fiques para trás. Vamos. O mundo que nos leve para bem longe e seremos felizes. Seremos? Mas que ninguém nos negue a felicidade desesperada mas firme e cheia de esperança. Estende-me os teus braços. Vamos cantar à vida e deixa-me encher-te de beijos, porque é a ti que eu quero. Ofereço-me a ti e morro por ti, amor.

Lousã, 8 de Março de 2006 (Coincidências apaixonantes, hoje é Dia Internacional da Mulher)

2006-03-10

SÃO LINDAS AS TARDES


São poemas os teus olhos serenos e enigmáticos
São pecados de amor os silêncios dos teus beijos de doçura
São feitas de sisal entrelaçado as tuas mãos que me amarram à vida
São essas mãos que me afagam o meu corpo
São simples as palavras quando me abraças
São loucas as paixões que me invadem o peito
São apaixonados os murmúrios de amor que me sussurras num momento
São uma miragem fugidia a luz que irradia dos teus sonhos
São esquecimento as palavras que te escrevi
São os melhores momentos quando os teus beijos queimam o meu corpo, lentamente
São desejos de fome lânguida quando a minha boca procura a tua boca
São gemidos de encantamento os soluços de um prazer sentido num encontro nosso
São lendas e sonhos e milagres e crenças quando te sinto num amor vivido dentro de mim
São os teus silêncios, meu amor, que descem à noite pela minha estrada
São as buganvílias vermelhas que nada sabem de mim mas que tudo sabem sobre nós
São uma esperança nova a madrugar nos nossos sentimentos
São nostalgias a ensaiar cantos novos ao ver nascer o teu sol na minha vida
São meus os versos do teu pensamento no horizonte azul
São as tuas carícias que me lembram as chuvas caídas na minha terra em cores mil
São o teu amor, o meu amor, que nos amarram ao cais da vida
São os marinheiros de todos os barcos que gritam que sou de Angola
São… amor e são futuro
Hei-de dar-te o meu corpo, os meus beijos, as minhas mãos, os meus desejos. Hei-de prender-te em abraços mil, mergulhar no teu mar azul de alegria. Vamos, juntos, ficar sentados na areia, ao fim da tarde, ver o mar seguir o seu destino.
São lindas as tardes contigo, amor

Coimbra, 3 de Março de 2006

2006-03-06

AVENIDA NEVSKY


O vestido branco colava-se ao corpo. O vento gelado de Março modelava-lhe a beleza realçada por uns traços que muitos pensavam não ser possível. Houve quem dissesse que ela parecia a estátua “Domação do Cavalo Selvagem”, moldada e fundida por Pyotr Klodt. Poesia escrita com as gotas de gelo trazidas pelo vento do Báltico, anunciando um tempo que não convidava ao sonho, digo eu ao olhar para os seus olhos negros rasgados por uma sombra provocante desenhada essa manhã. Contudo não chovia pois, como mil vezes afirmavam os pescadores da Nazaré, enquanto fizesse vento a chuva não se fazia notar. Quem mo disse foi ela na noite anterior, junto ao rio Neva na Ponte Anichkov, enquanto trocámos cumplicidades e desejos, pois em pequena tinha por hábito passar férias vendo os pescadores lavrar a areia da praia com as redes carregadas do sustento tirado do mar. E como gostava das histórias contadas ao fim da tarde sentindo o salpico das ondas que lhe humedeciam os olhos, por vezes misturando-se com as lágrimas da sua tristeza.
Nesse dia, na Avenida Nevsky, a famosa Nevsky Prospekt, cansada, caminhava indiferente ao ruído e às vagas de gente, gente do mundo que corria de cá para lá e de lá para cá, à procura sabe-se lá do quê. Talvez à procura de uma felicidade perdida. Gogol dizia que tudo é falso nesta avenida, pois por aí passeiam-se as grandezas e as misérias de nobres e burgueses. Talvez tivesse razão. Mas São Petersburgo é isso mesmo. Grandezas e misérias de gente que não sabe agarrar os encantos sagrados que a cidade lhes proporciona.
Tinha passado a manhã numa esquadra da polícia onde tudo era feito e pensado com uma calma irritante. O russo não é uma língua fácil para se estabelecer um diálogo e foi preciso esperar pela burocracia de uma intérprete que falava um inglês pouco perceptível para resolver o que a trouxera ali. O roubo na Catedral de Cristo Ressuscitado. Como era bom, pensava, sentada naquele banco de madeira, ter tido a sorte de ler livros de Dostoievsky, Pushkin, Gogol em português e sentir a música de Rimsky-Korsakov e Tchaikosky em russo. Sem intermediários. Apesar de tudo, enquanto lhe tinham dito para esperar, em russo, português, inglês e linguagem gestual, pensou na frieza que é estarmos por fora de uma cultura moldada pelos dias que não têm noites e das noites que não conhecem os dias. Uns dias antes tinha sentido o que era ver um pôr de sol pela madrugada, nos mares do Golfo da Finlândia. O pôr de sol mais autêntico da sua vida. São Petersburgo é mesmo assim. Monumental. Fria. Apaixonante. Talvez naif. Assimétrica socialmente, mas geométrica no traçado de parques e avenidas.
Já cansada, olhou uma última vez para o rio Neva, esqueceu-se, ela também, que Lenine aqui cursou Direito e foi visto, no Campo de Março, junto ao Palácio de Mármore, a falar às massas do cimo de um tanque de guerra. Duplicaram no seu peito as manifestações de revolta e alegria. Entrou no Museu Hermitage alegrando-se com a recompensa fortuita daquela manhã, foi afastando as madeixas do cabelo negro do seu lindo rosto, enquanto o coração se enchia de encantos sagrados. Estes pensamentos lembraram-lhe os versos do poeta Aleksandr Sergeevich Pushkin.
O vento do Báltico continua a soprar gelado mas agora para me dizer que tu ainda me amas e que eu te pertenço. Vislumbro a tua imagem, de novo, vestida de branco.

2006-03-05

SEREIA DO SUL


Desenho na areia enquanto vejo o sol colocar-se atrás da linha do horizonte a caminho do meu sul, do meu conforto. Estou à espera que a minha máscara esteja pronta para desfilar na avenida marginal e olhar a ilha. A ilha dos amores e desamores. A Lua anda linda. E Luanda continua menina e moça.

ESCULTURAS DE AREIA


Gosto do teu corpo caído, talvez derrubado, à beira das colunas que suportaram o império. Como ficas lindo com os cabelos desgrenhados, penteados pelo vento forte. Feitas de areia as imagens são como um baralho de cartas. Quando o primeiro grão sai da engrenagem, também o ás de espadas já não é o trunfo mágico do jogo. Um jogo que nem o maior guerreiro consegue vencer. O jogo da vida. Mas a vida faz do guerreiro o poeta das vitórias e das derrotas de um tempo bem vivido.

2006-03-01

TABAIBOS? FIGOS, CRUZES, CANHOTO!

Esta a minha pequena contribuição para esclarecer (?) uma questão que o meu grande amigo, Zecara, Mestre dos Vampiros, tornou pública e para discussão. Fruta existente, também, em Angola com o nome de tabaibos.


Já passava da meia noite. Uma noite normal de urgência num Centro de Saúde em que muitas das vezes as noites são procuradas por quem sofre de dor de alma. Um jovem, aparentando uns vinte e poucos anos, entra pela sala do médico com um certo "speed", como a vida estivesse por um fio. Ao princípio não se percebe bem o que aconteceu. O jovem encontra-se sozinho, provavelmente deixado à porta do hospital, por quem se diz amigo, como muitas vezes acontece. Tenta-se uma conversa que logo de início se mostra difícil. Qualquer tentativa de diálogo, para obter respostas, esbarra num riso incontrolado do jovem. Uma troca de olhares entre a equipa de serviço não surte efeito às perguntas feitas no silêncio da noite. A noite avança sem qualquer perspectiva de um final feliz. De repente, o jovem levanta-se e começa, nuns movimentos circulares e repetitivos, a tentar meter um bando de galinhas, imaginárias, numa capoeira que não está lá. O quadro começa a ter algum colorido e já se percebe que a luz ao fundo do túnel pode significar o princípio de um diagnóstico. Todos pensamos numa noite bem consumida, com a habitual mistura explosiva de álcool, drogas e sexo. A chamada iniciação. Só que as galinhas não obedecem ao seu jovem pastor e nunca mais chegam a entrar na capoeira inexistente. Sedação quase obrigatória e, algum tempo depois, o jovem tem cumprido a sua missão. Já não existem galinhas à solta na noite fria da serra. Na manhã seguinte, não muito cedo, o jovem vai despertando de um sonho e confessa que a noite foi passada com uns amigos, em comunhão com as estrelas e o luar, sem sexo, bebendo água e comendo figos do diabo. Em quantidade que chegou para um fim de dia alucinante e, o diabo seja surdo e mudo, com as galinhas à beira de uma gripe quase epidémica.